quinta-feira, 15 de agosto de 2019

'A polarização é saudável até certo ponto, mas no Brasil atingiu níveis extremos', diz Steven Levitsky

Steven Levitsky: "A imagem de um grande deslocamento de maquinário militar para sufocar a democracias pode ser enganadora" — Foto: Divulgação

Um dos autores de 'Como as democracias morrem' vem à Bienal do Rio para falar sobre regimes autoritários e ameaças a regimes democráticos.

Por Carlos Brito, G1 Rio

Um dos principais convidados da Bienal do Livro no Rio deste ano, Steven Levitsky está bem ciente do cisma que dividiu o Brasil em polos opostos da política. Não que enxergue problemas em embate de opiniões – o problema, ele crê, está na intensidade dessa divisão.

Desde que o professor de Ciências Políticas da Universidade de Harvard lançou o livro "Como as democracias morrem", em parceria com seu colega de instituição Daniel Zaiblatt, Levitsky se tornou sucesso editorial e referência no assunto.

Segundo ele, a extrema polarização política é um péssimo sinal e costuma funcionar como prenúncio para graves convulsões sociais. Não se trata de mera especulação, mas de um histórico comprovado, ele diz em conversa via Skype com o G1, direto de Boston, onde vive.

"Até certo ponto, a polarização é normal e saudável – sem ela, fica difícil haver uma contraposição de ideias em nível necessário para se criar um debate. A questão, a meu ver, é que no Brasil isso atingiu níveis extremos. E, a partir daí, problemas podem começar a acontecer", ele alerta.

A polarização nacional estará entre os temas a serem abordados pelo professor no painel "Sobre autoritarismos e democracias" - no encontro, marcado para as 13h do dia 7 de setembro, no pavilhão azul do Riocentro, quando ele dividirá o palco com a historiadora Lilia Schwarcz e o jornalista Marcelo Lins.

Em "Como as democracias morrem", Levistsky demonstra como regimes democráticos podem ser destruídos de maneira legal e constitucional, sem ser necessário recorrer a expedientes militares ou bélicos – o jogo democrático, explica o professor, pode ser colocado abaixo sem o disparo de um único tiro.

"Isso acontece há muitos anos. Veja a ascensão de figuras como Hitler e Mussolini – nenhum dos dois precisou de um golpe militar ou tanques na rua para ascenderem ao poder. A imagem de um grande deslocamento de maquinário militar para sufocar a democracia e as liberdades individuais pode ser enganadora – em vários momentos, governos totalitários assumiram o poder por meios pacíficos, como articulações parlamentares ou mesmo eleições".

Ameaças de todos os lados

A situação atual, segundo o próprio Levitsky, é generosa para ambos os lados do espectro político.

    "Se você parar para observar com cuidado, vai perceber que governos de vieses totalitários podem se associar a ideologias variadas – veja o caso de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, e os de (Recep Tayyip) Erdoğan, na Turquia, e (Viktor) Orban, na Hungria. O totalitarismo existe à esquerda e à direita".

Os três nomes citados pelo professor podem ser enquadrados naquilo que ele mesmo e outros estudiosos chamam de líder populista - tipo de figura cuja ascensão, afirma o acadêmico, costuma prenunciar os momentos mais sombrios de uma nação.

"O problema começa quando uma parte considerável da população se mostra insatisfeita, frustrada e até mesmo irritada com a classe política. É neste momento que figuras populistas costumam surgir, quase sempre prometendo que, em nome do povo, irão destruir aquele sistema político injusto."

"Esse é um cenário bastante arriscado para a democracia. E muitos desses líderes populistas são o que podemos chamar de 'outsiders' – pessoas que vêm de fora da chamada política partidária. Foi o caso de Alberto Fujimori, no Peru, e agora Donald Trump, aqui nos Estados Unidos", ele afirma.

Os habitantes dos opostos extremos da vida política brasileira costumam apontar seus respectivos adversários como inimigos da democracia – não raro, termos como "esquerdopata" e "fascista" são usados de maneira apaixonada na tentativa de desqualificar o interlocutor.

Nostalgia

Levitsky também disse que enxerga com preocupação as pessoas que defendem a ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, uma época de cerceamento das liberdades individuais, perseguições e torturas.

"Essa nostalgia de regimes autoritários é muito perigosa. Sei que isso acontece no Brasil, por conta da suposta boa segurança pública durante o regime e também pelo chamado 'milagre econômico' daquele período – mas verificando tudo o que aconteceu ao país nos anos seguintes, seja em segurança ou em economia, e mesmo em outros campos como desenvolvimento social e ciência, temos a certeza de que as medidas tomadas por eles enquanto estiveram no poder não geraram os melhores resultados."

    "O fato é que sabemos já há muito tempo que regimes ditatoriais não são nem um pouco melhores que democracias para resolverem problemas estruturais. Democracias não trazem a solução para todos os problemas, mas são bem melhores que ditaduras pelo simples fato de podermos reclamar ou, por meio de eleições, mudar nossos representantes quando algo vai mal", diz Levitsky.

Ele também demonstra preocupação sobre a postura agressiva que parte da classe política dedica à imprensa.

“É impossível imaginar uma democracia sem a existência de uma imprensa forte e independente. De maneira geral, políticos e seus seguidores não gostam da imprensa e isso e fácil de entender: em última análise, a função do jornalista é mostrar os erros e os abusos cometidos por eles – e é por isso que essa função é tão importante. Por isso, alguns políticos costumam falar em 'regulação' da mídia, algo que considero muito perigoso. Democracias precisam de instituições bem consolidadas para funcionarem bem - e entre elas, a imprensa livre está entre as mais importantes".

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