domingo, 29 de setembro de 2019

Deputado que chamou Moro de "juiz ladrão" reafirma acusação contra ministro

Glauber Braga chamou Moro de juiz ladrão em julho

Chico Alves
Colaboração para o UOL, no Rio

Resumo da notícia 

Glauber Braga chamou Moro de ladrão em julho 

Conselho de Ética abriu processo contra o deputado 

Parlamentar reafirma que ex-juiz cometeu crimes 

Deputado diz acreditar que processo será arquivado


O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) estava a poucos metros do ministro Sergio Moro, quando disse a ele no início de julho: "O senhor vai estar nos livros de história como um juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão!" O parlamentar referia-se à atuação do ex-magistrado como julgador dos réus da operação Lava Jato, bastante questionada após a revelação pelo site The Intercept Brasil dos vazamentos de conversas com procuradores da força-tarefa de Curitiba.

Ao ataque do deputado, seguiu-se uma confusão na sala de audiência da Câmara, enquanto Moro deixava o recinto cercado por apoiadores. No dia seguinte, Braga foi ameaçado pela líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), de ter seu nome encaminhado ao Conselho de Ética da Casa com pedido de cassação do mandato por quebra de decoro.

Sessão com Guedes é encerrada após discussão com Glauber Braga

Demorou, mas o conselho notificou o deputado do PSOL há uma semana. Nesta entrevista ao UOL, Braga diz que se o processo não for arquivado ele terá uma boa oportunidade de reafirmar o que disse. Mais: afirma que a frase não foi apenas uma analogia. "Estou acusando ele [Moro] de ter cometido crimes", diz o parlamentar.

A principal ilegalidade, argumenta Braga, é a de ter atuado em um processo sem a imparcialidade necessária, para depois conseguir a recompensa de ser indicado a um ministério no governo Jair Bolsonaro. O parlamentar diz acreditar na manutenção do mandato e não se intimida com a ameaça de cassação. "Vou defender o mandato porque é questão de Justiça, mas não vou vender a alma a ninguém por conta disso."

UOL - Como vê a abertura de processo no Conselho de Ética?

Glauber Braga - Recebo com a certeza de que ele tem que ser arquivado. Não retiro uma palavra do que eu disse na Comissão de Constituição e Justiça, de que Moro é um juiz ladrão. Estou apresentando a minha certeza baseada em duas teses jurídicas. A primeira é a da imunidade parlamentar. A segunda, se eles não arquivarem, é a exceção da verdade, pois quem fala a verdade não merece castigo. Se necessário for, se houver continuidade nesse processo, eu vou pedir a utilização de todos os meios de provas disponíveis, inclusive a chamada das oito testemunhas a que tenho direito no Conselho de Ética. Já pedi ao presidente do conselho que prepare equipamentos e tecnologia para quem por ventura esteja fora do Brasil e possa vir a dar depoimento também como testemunha. Pode ser que tenhamos testemunhas que não estão no Brasil.

O senhor imaginava que esse processo fosse realmente aberto?

Eles anunciaram no mesmo dia ou no dia seguinte essa possibilidade. A líder do governo no Congresso inclusive disse que faria isso, já imaginava que poderia acontecer por causa das práticas intimidatórias do governo. Pensavam que isso poderia intimidar uma fala mais contundente em relação ao governo.

O senhor acusa Moro ter conduta criminosa ou fez uma analogia com o árbitro de futebol?

Estou acusando ele de ter cometido crimes. Entre os quais a utilização do cargo de juiz para receber benefício pessoal.

A minha analogia tem a ver, sim, com o juiz de futebol que está no estádio e toma partido de uma das equipes. Essa analogia foi clara.

Agora, acuso ele também de ter recebido recompensa para ter sido um juiz parcial. No caso de um juiz que fica de um dos lados e depois recebe uma recompensa, o nome desse crime é corrupção.

Se refere ao caso do julgamento do ex-presidente Lula?

Exatamente. A recompensa foi o Ministério da Justiça.

Quais foram os crimes que o senhor identifica na conduta do ex-juiz Moro?

Com as mensagens que já foram divulgadas pelo The Intercept e com aquilo que a gente vai ter como comprovar no conselho, vamos mostrar o conjunto de tipos penais onde a conduta do Sergio Moro pode estar inserida. Mais importante para mim que uma correlação com a conduta penal é a demonstração política da representação daquilo que ele fez. A mensagem de um juiz ladrão é a do juiz parcial, que tomou parte. Alguém pode perguntar: um magistrado que se comporta parcialmente em um processo e recebe uma recompensa está cometendo crimes? Sim, inclusive o crime de corrupção. Mas podemos falar da associação com agentes públicos para o cometimento de crimes. Tudo isso pode ser inserido no momento em que as provas forem encaminhadas para o Conselho de Ética.

O senhor pretende usar o material publicado pelo site The Intercept, com vazamentos de conversas entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato?

O que temos de jurisprudência dá demonstração de que a prova conseguida por meio ilícito pode ser utilizada para absolvição de condenações que foram feitas a partir de uma fraude. Mas, ao mesmo tempo, os próprios tribunais superiores ainda são reticentes em fazer uma condenação de agentes a partir de provas que foram alcançadas por meio ilícito. Não é novidade para ninguém que uma gravação telefônica não autorizada não é lícita. Mas o questionamento é: a partir do momento que o STF tomou a decisão de que essas provas não poderiam ser descartadas, isso dá viabilidade de que essas provas sejam usadas de alguma maneira? Como elas serão utilizadas os julgamentos futuros do próprio Supremo Tribunal Federal é que vão poder dizer. A gente não tem ainda um fechamento de questão sobre a forma de utilização das provas, especialmente dos diálogos que foram divulgados pelo Intercept.

O ministro Moro e o procurador Deltan Dallagnol não reconheceram a autenticidade de todas conversas.

Sabem que tiveram esse tipo de diálogo, e por isso estão já se defendendo juridicamente dizendo que as provas não são válidas. É por esse motivo que não reconhecem o teor das conversas. Mas eles sabem o que fizeram, sabem que os diálogos aconteceram. Por isso, fazem admissão seletiva em relação ao teor das conversas. É uma tática de defesa deles.


Em abril de 2016, Glauber Braga chamou o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de gangster e afirmou que a cadeira do emedebista cheirava a enxofre Imagem: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Como avalia o teor dos vazamentos?

Gravíssimo. Você tem um ministro da Justiça, até então juiz de direito, que se utilizou das suas prerrogativas e do seu aparato para ferir a democracia brasileira e facilitar a implementação do programa. Isso não é uma brincadeira. É um ataque brutal às instituições e à vontade popular, à soberania popular. É de uma gravidade sem precedentes na história do Brasil.

O senhor disse que foi ameaçado depois de chamar Moro de juiz ladrão. Pensou em amenizar as críticas?

Grupos de extrema-direita espalharam meu telefone pelo Brasil inteiro, nos grupos deles, então todo dia teve ameaças, invadiram meu celular... Mas não estou muito preocupado com isso. Vamos em frente.

Algumas pessoas reclamaram nas redes sociais que o senhor foi muito agressivo.

A agressividade vem de quem fere a democracia brasileira, de quem usa como presidente da República o tempo inteiro o seu espaço institucional para estimular violência e a eliminação física de seus adversários políticos. O que eu usei foi contundência, que eu repetiria e repetirei quantas vezes a gente tiver um caso da gravidade do que aconteceu com Sergio Moro.

Para fazer o enfrentamento contra esse tipo de comportamento, que fecha o regime, que utiliza dos seus aparatos, como fez Moro de maneira ilegal, eu não posso ter meias palavras. Como diria Leonel Brizola, eu não posso costear o alambrado. O enfrentamento e a fala têm que ser diretas. O fascismo não se enfrenta com meias palavras, e sim com a colocação das cartas na mesa. Porque eles vêm com muita agressividade. Se a gente não se defende e não reage com contundência, é como se a gente estivesse dando um estímulo a esse comportamento, que o tempo inteiro está sendo tocado por Jair Bolsonaro.

E não nos enganemos: Sergio Moro é parte fundamental dessa estrutura de sustentação da política que está sendo tocada por Bolsonaro.

Não vai ter falas minhas agressivas com parlamentares. Faço embate político pegando as figuras públicas, a representação de Bolsonaro, Guedes, Moro e companhia. Faço embate frontal com as figuras políticas que dão sustentação ao governo Bolsonaro? Sim, faço. Essa é uma das características do mandato.

Acha que é possível tirar o ingrediente de agressividade do debate político atual no Brasil?

Espero que o presidente da República faça isso, que volte atrás nas posições que ele tem adotado. Mas não tenho nenhuma ilusão de que essa expectativa se cumpra. Num cenário desse, se ele não deixar de fazer isso, não espere que o passo atrás venha do nosso lado. Se ele vier quente de lá, a gente vai estar fervendo do lado de cá.
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O senhor acredita que isso é uma estratégia do presidente?

Sim. Ele quer manter os 30% [de aprovação] na agenda bolsonarista mais dura. Com isso, vai estimulando o tempo inteiro a construção de um exército de militantes de extrema-direita. Esse jogo, na nossa opinião, é combinado. Olavo de Carvalho está fazendo agora um curso gratuito para 80 mil policiais. Então, eles estão procurando formar uma base que dê sustentação por fora do Congresso para facilitar as tentativas de fechamento de regime. Deixam o Maia como principal interlocutor da agenda Guedes com o mercado. É um movimento que não é descasado, tem também uma capacidade de articulação. A gente tem que combater tanto a agenda bolsonarista, de fechamento de regime, de práticas políticas atrasadas e eliminação do adversários, quanto o que representa Maia na sua relação com o mercado para a implementação da agenda de desmonte do Estado nas suas garantias sociais, com reformas, privatizações e tudo o mais.

O senhor teme perder o mandato?

Acho que se eles tiverem um mínimo de responsabilidade a representação vai ser arquivada. Mas não vou fugir, me intimidar e nem tirar uma palavra do que eu disse. Se eles quiserem passar por cima de toda a razoabilidade e as garantias constitucionais para colocarem isso como um fato, vou na lógica de Geraldo Vandré, no Festival da Música de 1968: a vida não se resume a festivais. Ou seja, vou defender o mandato porque é questão de Justiça, mas não vou vender a alma a ninguém por conta disso. Continuarei fazendo a luta política como eu acredito que tem que ser feita.

A audiência realizada na Câmara na última quarta-feira foi interrompida quando o senhor perguntou ao ministro Paulo Guedes sobre ganhos bilionários no setor de educação que ele teria conseguido antes de assumir a pasta da Economia. Foi uma provocação?

Fiz perguntas que tinham que ser feitas. Se tem um ministro da Economia que está diminuindo R$ 8 bilhões da educação pública no Orçamento do ano que vem, num ano que já não conseguiu fechar as contas nessa área com os cortes que são conhecidos por todos, é fundamental o questionamento sobre as relações dele com o setor privado de educação e até que ponto isso é uma política de governo. O próprio Guedes falou sobre a captura que às vezes se verifica nos espaços públicos pelos interesses privados. Nessa linha, meu questionamento foi: há uma captura do interesse público na agenda que está sendo tocada pelo governo para beneficiar o setor privado de educação? Não adianta ele se irritar. Isso é uma pergunta que tem que ser respondida pelo ministro. Apenas afirmei fatos que já são públicos e foram publicados pela imprensa.

A irritação de Guedes o surpreendeu?

Ele estava na comissão com parlamentares que até então batiam palmas, elogiavam e sorriam. Quando um deputado questionou frontalmente a sua atuação e perguntou sobre as suas relações na política que está sendo tocada pelo ministério, ele reagiu para não responder. Tem perguntas que são incômodas, mas deveriam ser respondidas por qualquer agente público. Mas ele simplesmente não quis fazê-lo. Preferiu a irritação a responder objetivamente às perguntas feitas.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Nomeação de Lula à Casa Civil teria evitado impeachment de Dilma, diz Temer

Temer no programa Roda Viva

Uol São Paulo
Por Josias de Souza

Dilma Rousseff teria concluído o seu segundo mandato presidencial se o Supremo Tribunal Federal não tivesse barrado a posse de Lula na chefia da Casa Civil. Foi o que disse o ex-presidente Michel Temer em entrevista ao programa Roda Viva, na noite desta segunda-feira (16). "Se ele fosse chefe da Casa Civil, é muito provável —ele tinha bom contato com o Congresso Nacional— que não se conseguiria fazer o impeachment. Disso não tenho dúvida".

Com sua avaliação, Temer realçou indiretamente o papel de dois protagonistas da deposição de Dilma: Sergio Moro e Gilmar Mendes. Como juiz da Lava Jato, Moro levantou em março de 2016 o sigilo do célebre grampo em que Dilma avisa a Lula que o "Bessias" estava a caminho, levando o ato de sua nomeação para o ministério. Coube a Gilmar, na pele de ministro do Supremo Tribunal Federal, expedir a liminar que sustou a posse de Lula. Seis meses depois, Dilma foi deposta.

A divulgação do áudio da fatídica conversa desceu ao verbete da enciclopédia como uma transgressão de Moro. O então juiz já havia ordenado à Polícia Federal a suspensão da escuta. O diálogo soou antes que a ordem fosse executada. Nele, Dilma disse a Lula que o ato de nomeação deveria ser usado em caso de necessidade. Ficou subentendido que o documento serviria como um salvo-conduto para evitar a prisão de Lula, que passaria a dispor do foro privilegiado do Supremo.

Temer lembrou que Moro foi censurado na época pelo então relator da Lava Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, morto num acidente aéreo. Pediu "escusas" à Suprema Corte. Alegou que não tivera a intenção de causar "polêmicas e constrangimentos desnecessários". Hoje, sabe-se que essa desculpa é falsa. O vazamento de mensagens trocadas entre Moro e procuradores revela que a intenção era mesmo a de jogar a conversa no ventilador para evitar que Lula se escondesse atrás do escudo do foro privilegiado.

A despeito da dúvida quanto à legalidade dos procedimentos de Moro, Gilmar Mendes não hesitou em barrar a posse de Lula. Valeu-se de um raciocínio ardiloso. Sustentou que o grampo tornara-se secundário depois que Dilma e Lula reconheceram em manifestações públicas a autenticidade do diálogo. Durante a gestão de Temer, Gilmar consolidou-se como um conselheiro do presidente. Hoje, é um crítico da heterodoxia judicial da Lava Jato e adepto da política de celas abertas.

Temer avalia que a conversão de Lula em ministro era mesmo uma manobra: "Tudo indicava que o chamamento do ex-presidente Lula para a Casa Civil não tinha exatamente a finalidade de nomeá-lo para a Casa Civil, mas, eventualmente, impedir que houvesse algum embaraço de natureza judicial em relação a ele." Com atraso de mais de três anos, tachou de "equívoco muito grande" a divulgação ordenada por Moro.

"Se divulgou um telefonema, dever-se-ia liberar por inteiro", afirmou Temer, referindo-se a duas dezenas de conversas telefônicas que Lula mantivera após a suspensão do grampo. Dialogara com o próprio Temer. Dizia estar impressionado com a manifestação que arrastara dias antes 3,6 milhões de pessoas às ruas, para apoiar a Lava Jato e protestar contra o governo Dilma. Buscava uma aliança com parceiros de infortúnio, pois a Lava Jato cercava também o MDB de Temer.

"Ele estava preocupado com o impeachment", relatou Temer na entrevista. "Depois, ele esteve comigo, conversando sobre o impedimento. Pedia que eu colaborasse com o PMDB. Afinal, a derrubada da ex-presidente não seria útil para o país. O fundamento básico dele foi tentar trazer o MDB e outros a quem eu pudesse influenciar no sentido de negar a possibilidade do impedimento."

Perguntou-se a Temer se estava disposto a socorrer Dilma na ocasião em que Lula o procurou. E ele: "Quando o presidente da Câmara era o Eduardo Cunha eu trabalhei muito. […] Houve um dia em que eu fui à Presidência da República e disse: 'presidente, eu acho que o Eduardo Cunha não vai propor nenhum pedido de impeachment".

Havia nas gavetas de Cunha duas dezenas de pedidos de afastamento de Dilma. "Dois são complicadíssimos", disse Temer à então presidente. "Mas ele não vai pedir, deve arquivar todos. Ela disse: 'Que coisa boa, Temer'. Chamou um ministro que estava ao nosso lado e disse: 'Olha o que o Temer está dizendo!'. Ou seja, na verdade eu jamais imaginei que chegaria à Presidência, sobretudo por essa via". O repórter ironizou: O senhor nunca conspirou nem um pouquinho? "Não".

Instado a avaliar a gestão de Jair Bolsonaro, Temer referiu-se ao capitão como um continuador de sua obra: "O governo Bolsonaro tem um ponto positivo. Esse ponto positivo, modéstia de lado, é porque ele está dando sequência a tudo aquilo que eu fiz".

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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Justiça de SP rejeita denúncia contra Lula, Frei Chico e executivos da Odebrecht por corrupção

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em imagem de dezembro de 2017 — Foto: Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

Por G1 SP — São Paulo

Para o juiz federal Ali Mazloum, os fatos da denúncia não possuem todos os elementos legais exigidos para a configuração do delito.

A 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo-SP rejeitou nesta segunda-feira (16) denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) por meio da Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo contra o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu irmão, José Ferreira da Silva, o Frei Chico. Eles foram acusados de corrupção passiva na segunda-feira (9).

A denúncia também foi rejeitada em relação a outros três executivos da Odebrecht, por suposta prática de corrupção ativa. São eles o delator e ex-diretor da Odebrecht Alexandrino Alencar, Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo, e Emilio Odebrecht.

Para o juiz federal Ali Mazloum, os fatos da denúncia não possuem todos os elementos legais exigidos para a configuração do delito, não havendo pressuposto processual e nem justa causa para a abertura da ação penal.

"A denúncia é inepta. Não seria preciso ter aguçado senso de justiça, bastando de um pouco de bom senso para perceber que a acusação está lastreada em interpretações e um amontoado de suposições", diz a decisão do juiz Ali Mazloum.

"Nada, absolutamente nada existe nos autos no sentido de que Lula, a partir de outubro de 2002 pós-eleição foi consultado, pediu, acenou, insinuou, ou de qualquer forma anuiu ou teve ciência dos subsequentes pagamentos feitos a seu irmão em forma de “mesada” - a denúncia não descreve nem mesmo alguma conduta humana praticada pelo agente público passível de subsunção ao tipo penal."

Além disso, o juiz afirma que os crimes estariam prescritos porque já se passaram mais de oito anos.

A denúncia

De acordo com a denúncia, Lula sugeriu que a Odebrecht contratasse Frei Chico para intermediar um diálogo entre a construtora e trabalhadores. Ao final do contrato, em 2002, quando Lula elegeu se presidente, Frei Chico teria passado a receber uma mesada para manter uma relação favorável aos interesses da companhia.

Em abril de 2017, o ex-diretor da Odebrecht Alexandrino Alencar disse em delação premiada que Frei Chico recebeu mesadas da empreiteira por 13 anos. O pagamento era feito em dinheiro vivo.

Na ocasião, Lula afirmou: "Eu nunca dei R$ 1 pro meu irmão Frei Chico, porque ele nunca precisou, nunca pediu pra mim. Olha, se a Odebrecht resolveu dar R$ 5 mil pro meu irmão, é problema da Odebrecht. Por que é que tem que colocar o meu nome nisso?".

Também em 2017, após a delação de Alencar, a defesa de Frei Chico afirmou que ele não havia recebido nenhuma mesada.

Júlio César Fernandes Neves, advogado de defesa do Frei Chico, disse que “é uma aberração essa denúncia contra o Frei Chico, é uma clara perseguição contra o ex-presidente Lula. Frei Chico prestava serviço para a Odebrecht desde o tempo do governo FHC. Nenhuma testemunha de defesa do Frei Chico foi ouvida pelo inquérito da PF até agora. É notória a perseguição ao presidente Lula, agora usando um familiar. O delator mente descaradamente para ser absolvido de outros crimes que cometeu.”

Em nota divulgada na segunda (9), a defesa de Lula diz que a nova denúncia oferece "as mesmas e descabidas acusações já apresentadas em outras ações penais contra o ex-presidente".

"Lula jamais ofereceu ao Grupo Odebrecht qualquer 'pacote de vantagens indevidas', tanto é que a denúncia não descreve e muito menos comprova qualquer ato ilegal praticado pelo ex-presidente", diz o comunicado.

Em nota, o grupo empresarial afirmou: "A Odebrecht tem colaborado com as autoridades de forma permanente e eficaz, em busca do pleno esclarecimento de fatos do passado".

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domingo, 15 de setembro de 2019

Juiz fez estimativa falha e sem perícia ao condenar Haddad por caixa 2

Fernando Haddad 

Folha de s. Paulo
Por Flávio Ferreira

Avaliação da conta de luz de gráfica usada pelo petista foi a base da sentença da Justiça Eleitoral 

A Justiça Eleitoral condenou o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) pelo crime de caixa dois com base em uma avaliação do consumo de energia elétrica de uma gráfica feita pelo juiz sem perícia técnica. Essa mesma análise teve como resultado uma estimativa equivocada de gastos de eletricidade na impressão de material de campanha.

De acordo com o juiz Francisco Carlos Shintate, autor da sentença, duas gráficas emitiram notas fiscais frias para a campanha vitoriosa de Haddad à Prefeitura de São Paulo em 2012. Para o magistrado, o petista cometeu crime eleitoral ao incluir esses documentos em sua prestação de contas.

Segundo o juiz, ficou provado no processo que Haddad não participou da falsificação das notas fiscais, mas mostrou desinteresse pela verificação da documentação de gráficas fornecedoras e, dessa forma, “assumiu o risco” de que tais papéis frios fossem inseridos nos registros oficiais de sua campanha.

A pena aplicada a Haddad em agosto deste ano foi de quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto, mas o petista pode recorrer em liberdade ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral).

No processo na Justiça Eleitoral, foram examinados os envolvimentos da LWC Editora Gráfica e da Cândido Oliveira Gráfica, apontadas como as emissoras de notas fiscais falsas à campanha de Haddad.

No caso da LWC, o juiz Shintate afirmou, sem parecer técnico, que a gráfica não teve aumento substancial de consumo de energia no período eleitoral de 2012 e isso indicou que a empresa não produziu efetivamente o material de propaganda eleitoral registrado nos documentos fiscais fornecidos para o petista.

A tabela usada pelo juiz como fundamento para a decisão foi incluída na sentença. Com ela, é possível comparar os gastos de energia da gráfica nos meses de agosto e setembro de 2012, bimestre de pico das campanhas, com os dados relativos ao mesmo período do ano anterior, quando não houve eleição.

Assim, em relação a agosto, a elevação foi de 50% na comparação entre os consumos de 2011 e 2012 (46,3 mil kWh e 69,4 mil kWh, respectivamente). Quanto a setembro, o acréscimo foi de 33% (62 mil kWh em 2011 e 82,6 mil kWh em 2012).
Segundo a decisão judicial, esses aumentos na conta de luz não foram significativos, conclusão que foi uma das bases da condenação de Haddad.

Mas três técnicos do setor de gráficas e um de uma fabricante de máquinas ouvidos pela Folha afirmam que o acréscimo de pelo menos 20 mil kWh verificados nesses dois meses seriam suficientes para a produção do material declarado por Haddad.

Segundo levantamento feito pela reportagem nas notas fiscais declaradas pelo petista, a LWC produziu 4,8 milhões de panfletos e 3,7 milhões de cards (propaganda em papel duro, do tamanho de um cartão de visita) em agosto de 2012. No mês seguinte, a produção foi de 300 mil panfletos, 900 mil folhetos e 3 milhões de cards.

A Folha também pediu à defesa de Francisco Carlos de Souza, conhecido como Chicão, dono da gráfica, a relação de equipamentos que a firma usava à época. Com base nesses dados, a reportagem procurou uma das fabricantes das máquinas e solicitou um cálculo do consumo de energia para produção da quantidade de material de campanha que consta nas notas fiscais de Haddad.

Segundo a estimativa da fabricante, que preferiu não ser identificada, a produção de 4,8 milhões de panfletos e 3,7 milhões de cards consumiria ao todo 10,7 mil kWh em 204 horas de trabalho. Já a confecção de 300 mil panfletos, 900 mil folhetos e 3 milhões de cards empregaria 2.800 kWh em 53 horas de trabalho, de acordo com a estimativa.

Assim, para os técnicos ouvidos pela reportagem, a sentença apresenta dois problemas: não houve perícia técnica no processo e houve equívoco no argumento de que o aumento no consumo de energia da gráfica LWC não foi significativo em agosto e setembro de 2012.

Em relação à outra empresa acusada, a Cândido Oliveira Gráfica, a defesa da firma apresentou uma alteração de contrato social e disse que meses antes das eleições ocorreu uma mudança no local de produção de material de campanha, mas essa situação não foi registrada na concessionária de energia.

A gráfica juntou aos autos uma conta de energia de seu novo endereço, que ainda estava em nome de outra empresa, do mês de setembro de 2012, período de campanha, com consumo de 55 mil kWh. O magistrado, porém, entendeu que tais documentos não serviram para comprovar que a gráfica prestou os serviços descritos nas notas que emitiu para Haddad.

Na decisão judicial, o juiz ainda argumentou que um levantamento da Polícia Federal mostrou que a empresa tinha seis funcionários à época da eleição, e tal número seria insuficiente para produzir o material. Mas, a exemplo da avaliação sobre o consumo de energia elétrica, não usou nenhuma perícia específica e teve por base apenas dados levantados pela PF.

Uma outra justificativa apresentada pelo juiz foi a de que as gráficas não utilizaram insumos suficientes para a realização dos trabalhos, novamente sem um laudo sobre o tema.

O gasto total da campanha de Haddad em 2012 foi de R$ 68 milhões (R$ 99,3 milhões, em valores atualizados pelo IPCA). As despesas declaradas com as gráficas foram de R$ 607 mil (R$ 890 mil, com a correção monetária).

De acordo com o magistrado, em interrogatório, Haddad disse que não se preocupava em controlar diretamente as despesas de campanha e delegava tal atividade a Francisco Macena, o tesoureiro responsável pelas contas do petista. Para o juiz, foi essa postura de Haddad que permitiu a responsabilização dele no caso.

“Ao se desinteressar do controle das despesas e não conferir as notas fiscais e respectivos recibos, criou o risco não permitido de falsidade ideológica para fins eleitorais, com o uso de notas fiscais falsas na prestação de contas, o que veio a se concretizar, sabido que tem havido grande incidência de processos por caixa dois eleitoral, em razão de doações não contabilizadas e de despesas inexistentes lançadas”, sentenciou o magistrado.

O advogado e professor Flávio Luiz Yarshell, titular da Faculdade de Direito da USP, que foi juiz eleitoral do TRE paulista de 2007 a 2012, preferiu não analisar o caso específico de Haddad, mas afirmou que, nesse tipo de delito, “o dever de acompanhar pessoalmente os gastos de campanha não chega ao ponto de impor ao candidato o ônus de controlar aspectos relativos à forma e à capacidade de trabalho dos prestadores de serviço de que se vale”.

“A falsidade praticada pelo prestador de serviços, em princípio, não se estende ao tomador”, completou.

O advogado e ex-ministro do STF Carlos Velloso, que já presidiu o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), disse que o tema da condenação de réus que assumiram o risco de cometer crimes, por meio de ações ou omissões, é cercado de controvérsias na comunidade jurídica. “É preciso que haja algum indício ou prova de que o indivíduo não se importou com as consequências de sua conduta”, afirmou Velloso.

O juiz Shintate entendeu que o fato de a prestação de contas de Haddad trazer essas notas levou à configuração do crime que, no jargão técnico, é denominado falsidade ideológica para fins eleitorais, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral. Esse foi o delito expressamente mencionado no pedido de condenação que consta na denúncia oferecida pelo Ministério Público em maio de 2018.

O magistrado absolveu Haddad quanto à prática de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, improbidade e quadrilha. Para tratar desses outros delitos, invocou decisões recentes do STF que autorizam juízes eleitorais a apreciarem crimes comuns conexos às condutas delituosas de natureza eleitoral.

Apesar de a denúncia somente ter requerido a punição de Haddad pelo crime de falsidade ideológica para fins eleitorais, a peça acusatória descreveu outras situações, como o suposto repasse de dinheiro oriundo do esquema de corrupção na Petrobras, investigado na Operação Lava Jato, para pagar dívidas de campanha do ex-prefeito.

Com base nesse relato da denúncia e nas decisões recentes do STF sobre crimes conexos, o juiz eleitoral absolveu Haddad.

Os donos das gráficas apontadas no processo, Francisco Carlos de Souza e Ronaldo Cândido de Jesus, também foram punidos pelo crime comum de quadrilha, além do delito de falsidade ideológica para fins eleitorais.

Outro lado

A Folha procurou o juiz Francisco Shintate por meio da assessoria de imprensa do TRE, antecipou o teor da reportagem, mas o órgão informou que, “por impedimento legal", o juiz não iria se pronunciar.

A reportagem também procurou o Ministério Público estadual e a Polícia Federal, informou a eles o conteúdo da reportagem, mas nenhum dos órgãos se manifestou.

O criminalista Pierpaolo Bottini, advogado de Haddad, disse que a defesa não apresentou pedido de perícia no processo pois “o ônus da prova é da acusação”.

Bottini informou que recorreu da decisão e que apresentará seus argumentos ao Tribunal Regional Eleitoral.

O advogado de Francisco Souza e Ronaldo Cândido de Jesus, Ismar Marcilio de Freitas Neto, afirmou que não solicitou a produção de laudos na causa porque “tal afirmação —incapacidade produtiva— nunca havia sido objeto do processo”.

“Já foi apresentado o recurso cabível, por meio do qual se confia na reforma da teratológica decisão pelo Tribunal Regional Eleitoral”, afirmou o advogado.

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Governador da BA diz que PT deveria ter apoiado Ciro em 2018 e sigla rebate

Rui Costa e Ciro Gomes

Do UOL, em São Paulo

As críticas feitas pelo governador da Bahia, Rui Costa (PT), à estratégia do próprio partido nas eleições de 2018 não foram bem recebidas pelo PT. Em entrevista à revista Veja publicada nesta sexta (13), Costa afirmou que, com o impedimento da candidatura de Lula, o partido deveria ter apoiado Ciro Gomes (PDT), porque, segundo ele, Ciro seria a única liderança capaz de vencer o "antipetismo" representado pelo então candidato Jair Bolsonaro (PSL).

Na tarde de hoje (14), a Executiva Nacional do PT divulgou uma nota com 6 tópicos para rebater as declarações do governador baiano. Nela, o PT afirma que tomou uma decisão "absolutamente correta" ao lançar a candidatura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad em vez de apoiar Ciro Gomes.

O PT também declarou que Haddad só perdeu a eleição por causa de notícias falsas divulgadas pela campanha de Bolsonaro com financiamento ilegal de fontes estrangeiras, contando com a omissão da mídia e da Justiça Eleitoral.

Ciro foi 'grosseiro e desrespeitoso', diz PT

A nota oficial do PT afirma que uma aliança com Ciro Gomes foi descartada porque nunca foi intenção dele constituir uma alternativa no campo da centro-esquerda. O partido diz que essa aproximação está ainda mais distante hoje, "dado que ele [Ciro] escancara opiniões grosseiras e desrespeitosas sobre Lula, o PT e nossas lideranças".

Na reta final do segundo turno das eleições presidenciais, ao discutir com militantes petistas, o senador Cid Gomes (PDT-CE), irmão de Ciro, gritou uma frase que virou piada entre eleitores de Bolsonaro: "O Lula tá preso, babaca". Ciro repetiu a frase em fevereiro, em bate-boca com membros da UNE (União Nacional dos Estudantes).
Rui Costa criticou falta de propostas

Para Rui Costa, a falta de propostas foi um dos fatores que levaram à derrota da esquerda nas últimas eleições. Na opinião do governador, o PT precisa abordar melhor questões de segurança pública para ser considerado uma alternativa viável nas próximas eleições.

Ele também afirmou que o partido não pode escolher dialogar apenas com partidos que se comprometam a levantar a bandeira "Lula livre". Em resposta, o PT declarou que a luta pela libertação do ex-presidente é "é central na defesa da democracia, da soberania e dos direitos no Brasil", e que tem trabalhado pela reconstrução da frente de esquerda.

Apoio à Venezuela

Outro ponto de conflito entre os discursos de Rui Costa e de seu partido foi a crise política na Venezuela. O governador considera um exagero chamar de ditadura o regime de Nicolás Maduro, mas disse ver "sinais claros de que a democracia está sendo desrespeitada".

O PT aproveitou a oportunidade para reafirmar que o país vizinho se encontra sob criminoso embargo econômico. O partido ainda criticou o apoio de Bolsonaro ao que considera uma tentativa de intervenção militar estadunidense.

Muito cedo para pensar em 2022

Questionado sobre a possibilidade de ser o candidato à Presidência em 2022, Rui Costa foi evasivo, mas se disse aberto para assumir qualquer função. O PT considerou a declaração "extemporânea" e disse que saberá discutir o assunto no momento adequado.

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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Senador detona Lava Jato após mensagens sobre Lula e chama operação de 'Lama Jato'


Por Bahia Notícias 

O senador Jaques Wagner (PT) detonou a operação Lava Jato após reportagem do jornal Folha de São Paulo sobre conversas que põem em xeque tese de que ex-presidente Lula Inácio Lula da Silva (PT) agiu para travar investigações.

"Com estas revelações, a operação já merece ser rebatizada: Lama Jato. E os membros da quadrilha, todos processados", afirmou Wagner, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

A reportagem mostra que conversas de Lula gravadas pela Polícia Federal em 2016 e mantidas em sigilo desde então enfraquecem a tese de Sergio Moro para justificar a decisão mais controversa que tomou como juiz da Lava Jato. Na ocasião, ele tornou público um diálogo em que a então presidente Dilma Rousseff (PT) teve com Lula, levando a anulação da posse dele na Casa Civil pelo STF.

Para a Lava Jato, a ligação mostrava que a nomeação visava travar as investigações sobre ele. Mas registros analisados pela Folha e pelo Intercept mostram que outras ligações interceptadas naquela dia, e mantidas em sigilo, punham em xeque a hipótese adotada.

domingo, 8 de setembro de 2019

"Concurso de insultos", diz chanceler da França sobre autoridades brasileiras

Marcelo Camargo / Agência Brasil
Jean-Yves Le Drian é ministro das Relações Exteriores

Por Agência O Globo

IO - O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian , denunciou neste domingo um "concurso de insultos " sobre Brigitte Macron , a mulher do presidente Emmanuel Macron, por parte das autoridades brasileiras. Durante entrevista a uma rádio, o chanceler criticou a maneira como o Brasil vem administrando suas relações internacionais.

— Minha opinião pessoal é que não se administram relações internacionais organizando, qualquer que seja o país, um concurso de insultos. Isso é o que está acontecendo — disse Le Drian em um programa da rádio Europe1.

Na quinta-feira passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se desculpou publicamente por ter dito que a mulher do presidente francês era "feia mesmo".

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro retirou do Facebook, alegando que queria "evitar duplas interpretações", um comentario a um meme que um de seus seguidores comparava a aparência física de Brigitte Macron , na qual ela aparece séria, com uma imagen da primeira dama brasileira, Michele Bolsonaro, sorrindo ao lado do marido no dia da posse presidencial.

"Agora entende porque o Macron ataca o Bolsonaro?", dizia o comentário ao qual o presidente brasileiro respondeu: "Não humilha, cara. Kkkkkkkkkk".

Macron qualificou esse comentário como "extraordinariamente desrespeitoso", mas Bolsonaro negou que se trataria de uma ofensa. "Eu não pus essa foto da sua mulher", alegou o presidente brasileiro.

Os internautas brasileiros inundaram as redes sociais repudiando a atitude de Bolsonaro com a hashtag #DesculpaBrigitte

A França e o Brasil vivem momentos de embate diplomática , após Macron classificar como uma "crise internacional" a proliferação de incêndios na Floresta Amazônica.

Cerca de um mês após a reunião do G20, Bolsonaro cancelou uma reunião de 30 minutos que teria com Jean-Yves Le Drian em Brasília. Segundo o Itamaraty, o encontro teria sido cancelado por "problemas de agenda" do presidente da República , mas, na hora em que a reunião deveria acontecer, Bolsonaro estava cortando o cabelo, o que foi transmitido ao vivo pelas redes sociais presidenciais.

O presidente depois alegou que não se reuniu com o chanceler francês porque Le Drian teve encontros com representantes da oposição e de ONGs brasileiras, em sua maioria hostis à sua política ambiental. Alguns dias depois, Le Drian ironizou a "emergência capilar" do presidente brasileiro, em entrevista ao Journal du Dimanche:

— Todo mundo conhece as restrições que acompanham as agendas dos chefes de Estado . Então, obviamente, houve uma emergência capilar. Essa é uma preocupação que é estranha para mim — declarou Le Drian, em uma referência irônica a sua calvície, em uma entrevista ao Journal du Dimanche.

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Bolsonaro prepara a venda das empresas que possuem dados de toda população brasileira

O presidente Bolsonaro no dia 28, no Palácio do Planalto. EVARISTO SA (AFP)

El País Brasil
Afonso Benites

Estimadas em R$ 6 bilhões de reais, Serpro e Dataprev reúnem 12.500 funcionários e possuem informações desde o imposto de renda, até registros de nascimentos e óbitos

Um ex-servidor começa a receber ligações telefônicas oferecendo empréstimo consignado dias depois de se aposentar. Uma seguradora de veículos com quem um cidadão jamais teve contato lhe oferece um novo seguro semanas antes de vencer o contrato que está em vigência.O timing não é mágica. É uma estratégia planejada, com base em informações confidenciais mantidas pelo Governo e consideradas valiosíssimas para qualquer empresa que busca dados de potenciais clientes. O que elas têm em comum é que todas são processadas e armazenadas por duas lucrativas companhias públicas brasileiras que o Governo Jair Bolsonaro (PSL) pretende privatizar, o Serpro e a Dataprev. E, com isso, de uma hora para outra, uma companhia qualquer pode passar a ter acesso, por exemplo, a todos os dados que o contribuinte declarou em seu imposto de renda.

Só no ano passado o Serpro teve um faturamento de R$ 3,2 bilhões de reais, e a Dataprev, de R$ 1,26 bilhão de reais. A primeira possui cerca de 9.100 funcionários concursados, a segunda, 3.400. No mercado, juntas, as empresas têm o valor estimado de seis bilhões de reais, mas as informações que armazenam ainda não têm um preço calculado. Elas possuem dados de toda a população brasileira: da data de nascimento ao quanto se contribuiu para Previdência ou pagou de impostos ao longo da vida. Entre os interessados em adquiri-las estão fundos de investimentos e empresas de tecnologia da informação nacionais e estrangeiras. A transação depende de aprovação do Congresso Nacional.

Os estudos para a venda das duas empresas foram anunciados há cerca de duas semanas. Estão sendo feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a expectativa é que a venda se concretize no ano que vem. No último dia 29 de agosto estava prevista uma audiência pública na Câmara da qual participariam os presidentes do Serpro, Caio Paes de Andrade, e da Dataprev, Christiane Edington. Diante da mobilização de servidores para tentar frear a venda, na noite anterior ao debate, ambos cancelaram a participação no encontro.

No Serpro há mais de 4.000 sistemas de informação que incluem a declaração do imposto de renda, a emissão de passaportes e carteiras de motoristas, o pagamento do Bolsa Família, os registros sobre veículos roubados ou furtados em todo o país, dados da Agência Brasileira de Inteligência, do sistema de comércio exterior e de transações que passaram pelos portos e aeroportos nacionais, entre outros. Na Dataprev, seus 720 sistemas possuem todos os registros de nascimento e óbitos no país, cadastros trabalhistas de nacionais e estrangeiros, detalhes das empresas registradas em todos os Estados, além do processamento dos pagamentos de aposentadorias, pensões e seguro desemprego.

A Dataprev recentemente também abriu uma licitação para adquirir uma tecnologia de reconhecimento facial e de impressão digital, contestada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que pede que ela seja suspensa. O órgão afirma que é preciso, primeiro, que a empresa de dados resolva "o sistemático vazamento de dados dos beneficiários do INSS". “Esses vazamentos criaram uma cadeia perversa, onde os dados são utilizados na oferta abusiva de crédito consignado aos aposentados, o que gera o espiral de superendividamento", afirma Diogo Moyses, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec, em uma nota do órgão que ilustra como os dados já são usados por interesses próprios de empresas.

"Olhar como os dados vão ser bem protegidos talvez seja hoje o principal alicerce na relação entre estado e cidadão", diz Bruno Bioni, advogado

O temor de especialistas e dos servidores é que essas informações passem a ser comercializadas sem a devida autorização dos cidadãos que estão cadastrados nesses bancos de dados de forma sistemática. É comum ouvir entre os estudiosos do assunto que dados são, hoje, o novo petróleo. Por meio deles consegue-se direcionar uma venda ou definir quem pode ou não ter acesso a crédito junto a instituições financeiras, por exemplo.  “São informações sensíveis que não deveriam cair nas mãos de uma empresa privada, sob o risco de ferir até a soberania nacional”, afirmou o diretor do Sindicato de Processamento de Dados do Distrito Federal, Kléber Santos. Funcionário do Serpro há oito anos, Santos é um dos servidores que encampam uma campanha contrária à privatização do órgão.

“Se eu resolvo montar um dossiê contra uma pessoa, busco no seu histórico do imposto de renda o quanto arrecada, qual é o seu patrimônio. Hoje, essas informações estão só nas mãos do Estado. Após privatizar, correm o risco de serem comercializadas livremente”, alerta a servidora Socorro Lago, representante da Coordenação Nacional de Campanha da Dataprev.

Advogado e especialista em proteção de dados pessoais, Bruno Bioni diz que hoje a proteção de dados pessoais é a nossa própria identidade. “Na medida em que o cidadão é enxergado, julgado, não com base no rosto deles, mas com o que uma base de dados diz sobre ele, a proteção de dados pessoais passa a ser um eixo e um vetor de sua própria cidadania”, diz Bioni, fundador da empresa Data Privacy. “Olhar como os dados vão ser bem protegidos talvez seja hoje o principal alicerce na relação entre estado e cidadão”, acrescenta.

Na opinião de Bioni, contudo, tão importante quando discutir se a privatização é prejudicial à proteção de dados pessoais, é considerar os seus limites caso tais empresas públicas passem a ser da iniciativa privada. Segundo ele, o que importa saber é se os dados coletados serão usados somente para o fim pelo qual foram obtidos. Por exemplo, se um estudante requereu um financiamento estudantil, as informações que ele repassou ao Governo só podem ser analisadas para essa finalidade, não poderiam basear qualquer outra análise, tampouco serem vendidas. “A finalidade pela qual o dado está sendo confiado, ela segue o dado. Existe essa limitação para que as empresas usem esse banco de dados”.

No segundo semestre de 2020, entrará em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, que prevê maior rigor no controle de quais informações podem ser usadas por empresas e governos. Além disso, autoriza que apenas o que for expressamente autorizado seja repassado para os sistemas.

Procurado, o Governo informou, por intermédio do Ministério da Economia, que as empresas devem ser vendidas para seguir a lógica traçada pelo ministro Paulo Guedes, de que o maior número de companhias públicas passarão para a iniciativa privada. "A orientação é reduzir o tamanho do Estado, privatizando o máximo de empresas e focando naquilo que o Estado deveria cuidar como saúde, educação, segurança e infraestrutura", disse a pasta em nota. A gestão Bolsonaro/Guedes acredita que não faz sentido o poder público ter empresas de processamento de informações. "O Governo entende que a manutenção de dados da população sob guarda dessas empresas não garante sua proteção mais do que sob guarda de empresas privadas". Como exemplo, o Ministério da Economia cita o sigilo bancário dos correntistas, que costumam ser protegidos pelas instituições financeiras particulares ou públicas.

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sábado, 7 de setembro de 2019

Celso de Mello, do STF, diz que censura de livros se deve a 'trevas que dominam o poder do Estado'

Celso de Mello, ministro decano do STF

Folha de s. Paulo
Por Mônica Bergamo

Para magistrado, ação na Bienal do Rio é fruto de 'mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo' 

O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), enviou mensagem à coluna em que afirma que a censura a livros da Bienal do Rio "constitui fato gravíssimo".

"Sob o signo do retrocesso –cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado–, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!!", escreveu o magistrado, que é o decano do tribunal.

Para Celso de Mello, "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República".

​Leia a íntegra o texto de Celso de Mello:

A apreensão de exemplares de um livro com temática LGBT na Bienal do Rio de Janeiro mostra-se inaceitável!!!! NA REALIDADE , o que está a acontecer no Rio de Janeiro constitui fato gravíssimo, pois traduz o registro preocupante de que, sob o signo do retrocesso -cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado-, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!!!! Mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República !!! Uma República fundada no princípio da liberdade e estruturada sob o signo da ideia democrática não pode admitir, sob pena de ser infiel à sua própria razão de ser, que os curadores do poder subvertam valores essenciais como aquele que consagra a liberdade de manifestação do pensamento !!!!

Censura à bienal

Na noite de quinta (5), o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, anunciou, em seu Twitter, que censuraria a HQ "Vingadores - A Cruzada das Crianças". O título traz em suas últimas páginas uma imagem de dois homens se beijando, completamente vestidos.

Fiscais da prefeitura chegaram a ir à Bienal na tarde desta sexta (6) para verificar a denúncia e apurar se a notificação estava sendo cumprida. Os agentes foram embora sem encontrar qualquer material considerado impróprio.

Ainda na mesma tarde, o Tribunal de Justiça do Rio publicou uma decisão liminar que impedia a prefeitura de apreender livros e cassar o alvará do evento. O mesmo tribunal, no entanto, suspendeu a liminar na tarde deste sábado (7).

Segundo a decisão do desembargador Claudio de Mello Tavares, presidente do órgão, obras que ilustram o tema da homossexualidade atentam contra o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), e, portanto, devem ser comercializadas em embalagens lacradas, com advertência sobre o seu conteúdo.

O texto da decisão ainda afirma que não se trata de um "ato de censura". Ele argumenta que é inadequado que uma obra de super-heróis voltado para o público infantojuvenil apresente e ilustre o tema da homossexualidade a adolescentes e crianças sem que os pais sejam devidamente alertados.

O estatuto não cita homossexualidade na legislação. Segundo o estatuto, "as revistas e publicações destinadas ao público infantojuvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família".

Além disso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu em 2011 como famílias as uniões conjugais formadas por pessoas do mesmo sexo. Desse modo, um beijo gay, sem qualquer obscenidade, a princípio não agride tais valores.

Caso a determinação do tribunal não seja cumprida pela Bienal do Livro, a pena é de apreensão dos títulos que não se encontrarem nos conformes e cassação da licença para a feira. A organização afirmou, em nota, que irá recorrer.

A censura de Crivella e a decisão do tribunal geraram forte repercussão. A atriz Regina Duarte, em rede social, condenou a atitude do prefeito. Já o youtuber Felipe Neto distribuiu gratuitamente 14 mil exemplares de títulos com personagens e temas LGBT.

Todos foram entregues devidamente lacrados, em resposta à exigência do prefeito. No plástico preto da embalagem, no entanto, lia-se que as publicações ali contidas eram impróprias "para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas".

Grupos também realizaram protestos na Bienal. Parte do público realizou um 'beijaço' em protesto, como poucos casais trocando beijos durante o debate conduzido por Felipe Cabral. Mais tarde, dezenas de pessoas realizaram um "stonewall", no qual leram trechos da Constituição que proíbem "censura de qualquer natureza".

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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Globo corta beijo gay em novela, mas critica censura de Crivella na Bienal

Valéria (Bia Arantes) pede Camila (Anajú Dorigon) em casamento em Órfãos da Terra

Uma cena escrita, gravada e divulgada pela Globo foi cortada antes de ir ao ar na novela "Órfãos da Terra". O beijo entre as personagens Valéria (Bia Arantes) e Camila (Anajú Dorigon), programado para o capítulo desta sexta-feira (06), foi eliminado da trama.

Consultada pelo repórter Paulo Pacheco, do UOL, na noite de quinta-feira (05), a Globo deu uma resposta fajuta: "Decisão puramente artística". Insisti na tarde desta sexta e a emissora manteve a justificativa, sem se dignar a dar qualquer satisfação aos espectadores.

A emissora não pode dizer que foi surpreendida pela cena. Os capítulos de todas as novelas são enviados à direção de Teledramaturgia com alguma antecedência. Em caso de beijo entre personagens do mesmo sexo, há ainda mais cuidado e conversa. A cena de "Órfãos da Terra" passou por este ritual, foi aprovada e gravada sem qualquer restrição ou recomendação.

O diretor da novela, Gustavo Fernandez, confirmou o corte ao jornal "O Globo": "Embora existisse essa cena no texto, ainda não estava decidido se ela iria ao ar mesmo. Achamos que a sequência do pedido de casamento já estava muito bonita. As atrizes se saíram superbem". A sua justificativa não bate, porém, com a estratégia de divulgação de "Órfãos da Terra".

Há uma semana, o site oficial da novela divulgou detalhes do que estava por ser exibido. "Na cena, a ruiva vai presentear a namorada com um anel de brilhantes e se declarar: 'Camila Nasser, eu te amo! Quer casar comigo?'. Camila acha que é só uma brincadeira, mas Valéria será categórica: 'Nunca falei tão sério na minha vida. Eu quero me casar com você. Aceita?'. É aí que rola o beijo apaixonado!", informou.

Como os capítulos de "Órfãos da Terra" vão ao ar na Globoplay com 24 horas de antecedência, os fãs descobriram o corte ainda na noite de quinta-feira.

Após a decisão de cortar a cena, a Globo teve o cuidado de tirar da internet a publicação que a descrevia, mas diversos fãs já haviam replicado o conteúdo.

Na tarde desta sexta-feira, o site do jornal "O Globo" classifica como "censura" a decisão do prefeito Marcello Crivella de mandar recolher a HQ "Vingadores" da Bienal do Livro porque mostra um beijo entre dois homens. Não deveria ser esta mesma palavra usada para classificar a exclusão da cena da novela?

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quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A encruzilhada da direita que já nega Bolsonaro, mas ainda não tem voto

Huck e professores de uma escola no Amazonas.Instagram

El País Brasil
CARLA JIMÉNEZ|FLÁVIA MARREIRO

Atlas Político mostra pico de imagem negativa do presidente, mas também de João Doria em São Paulo e de Rodrigo Maia. Números alimentam xadrez da corrida precoce para 2020, que tem a volta de Huck ao debate

O que se anunciava nos últimos meses tomou forma explícita no fim de semana. Expoentes da centro-direita brasileira selaram seu divórcio de Jair Bolsonaro e recolocaram na praça o projeto de se reaglutinar em torno do apresentador Luciano Huck, num precoce movimento rumo a 2022. As declarações do apresentador ao Estado de S. Paulo, ao lado da entrevista a O Globo do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, se complementam numa campanha para retomar um difícil lugar do espectro político, mais próximo do ponto médio. Num país que dizimou o centro nas últimas eleições e com Bolsonaro firmemente disposto a segurar seu bastião de fiéis por meio da radicalização, Huck surge como esperança de ser um puxador de voto para as ideias liberais na economia sem ser conservador nos costumes.

A fotografia atual das pesquisas vale pouco para prever algo tão adiante como as próximas presidenciais, mas ajudam a entender as atuais articulações. Os números da consultoria Atlas Político mostram, na mesma linha do Datafolha, como avança a rejeição de Bolsonaro —ultrapassou 50% os que dizem ter uma imagem negativa do ocupante do Planalto. As cifras do Atlas, no entanto, mostram que não foi só o presidente que viu minguar a simpatia do eleitorado. As imagens de todos os políticos avaliados pioraram, com exceção nada desprezível do ministro da Justiça, Sergio Moro, que se manteve na liderança do ranking de imagem, com mais de 50% opinando positivamente sobre ele.



Chama atenção, por exemplo, a performance ruim do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), outro nome da direita que tenta se descolar de Bolsonaro após a união superexplorada na campanha. O tucano outsider viu sua imagem negativa disparar no último mês. Entre julho e agosto, a visão negativa do governador passou de 42,5% para 58,3%, segundo a pesquisa. O Atlas Político ouviu 2.000 pessoas recrutadas aleatoriamente na Internet, com amostra rebalanceada por meio de um algoritmo para ter representatividade nacional. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.

Rodrigo Maia, herói do mercado financeiro por ter liderado a aprovação da reforma da Previdência, também viu sua imagem negativa avançar, de 60,7% para 66%, também em um mês. Maia é um dos símbolos em Brasília da ideia de que é preciso preencher um espaço que fuja do radicalismo e de "propostas exageradas", como o retrocesso dos direitos da mulher, ou a abertura escancarada para a venda de armas. A rejeição ao extremismo adotado por Jair Bolsonaro vem tanto de nomes como o do presidente da Câmara, como de integrantes do próprio partido do presidente. “Estamos trabalhando na construção de uma candidatura de centro direita”, disse um deputado do PSL, pouco antes de se encontrar com Maia, que também enxerga nessa via o caminho natural para encontrar um candidato que venha a presidir o Brasil em 2022.

O presidente da Câmara, que costuma dizer sem delongas que ele próprio não seria um alavancador de votos, é um dos poucos que falam abertamente que Bolsonaro é de extrema direita, um rótulo que o mandatário refuta. Na semana passada, quando se viu numa disputa verbal com o presidente francês, Emmanuel Macron, por causa das queimadas na Amazônia, Bolsonaro se autointitulou de centro-direita. “Essa inverdade do Macron ganhou força porque ele é de esquerda, e eu sou de centro-direita”, disse Bolsonaro. Dias antes o Palácio do Eliseu afirmara que Bolsonaro mentiu para Macron durante a cúpula do G-20, em Osaka, quando disse que se comprometia com compromissos ambientais para fechar o acordo Mercosul-União Europeia.

Nenhum avanço da oposição tampouco



"O centro está abandonando o Bolsonaro, mas a base bolsonarista é ainda bastante coesa. A centro-direita sofre com a polarização política igual à centro-esquerda", analisa Andrei Roman, diretor do Atlas Político. "Outro aspecto surpreendente da queda de popularidade do presidente é que ela não resulta tampouco no avanço de nenhuma figura da oposição à esquerda. Os níveis de aprovação e desaprovação de Lula, Haddad e Ciro estão estagnados", segue Roman.



É neste cenário que a resiliência da base bolsonarista chama atenção ao passo que a busca de um nome como Huck cobra lógica na ótica dos expoentes da centro-direita bem vistos pelo empresariado e pelo mercado financeiro, como Armínio Fraga e o ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. Fraga enviou recado ao empresariado e aos investidores: Bolsonaro já danifica a democracia e, portanto, é uma ameaça para os negócios, disse ao Globo. Aos solavancos da retórica do presidente, como na crise da Amazônia, não há blindagem de projeto liberal que resista, enunciou. Ao mesmo tempo, na contramão dos movimentos de polarização do eleitorado que não são vistos apenas no Brasil, o apresentador da TV Globo buscou um posicionamento clássico contra os rótulos ideológicos: "O povo está cada vez com mais dificuldade em rotular as posturas e pensamentos entre direita, esquerda ou centro”, disse ao Estado. É preciso, pregou, “chutar com as duas pernas”.

"Em contextos de polarização política muito forte, os candidatos de centro tendem a ser dizimados — veja a Marina Silva nas últimas duas eleições, por exemplo—, a não ser que os polos ideológicos estejam tão desgastados que possa surgir uma nova alternativa centrista, como aconteceu na França com o Macron, um candidato carismático que conseguiu fazer uma síntese de uma pauta econômica liberal com valores progressistas", diz Roman. "Huck é provavelmente um candidato mais frágil do que o Macron era e as condições estruturais do país são muito diferentes", segue o diretor do Atlas.

Uma das perguntas também é quanto tempo Huck, agora tão explicitamente no jogo político, resistirá à frente de uma vitrine imbatível como o seu Caldeirão do Huck. Às vésperas da campanha de 2018, circulou que a Globo fez o apresentador saber que um salto ao mundo político seria um ponto de não retorno. Qualquer que seja o desfecho, já estará feito o trabalho de imagem de décadas, onde ele combina a aparição das celebridades do momento com quadros sociais/assistenciais pelo país. Uma de suas bandeiras é nada menos do que a educação pública.

Seja como for, no momento Bolsonaro ainda exibe uma base firme e fiel que dará trabalho para um futuro competidor. Um observador atento ao jogo político do Brasil lembra que a construção de uma candidatura leva tempo – e por ora o nome de Huck parece forte por contar com uma elite articulada e recursos para se expor – e que, por isso, é muito cedo para fazer prognósticos seguros. “Há muita água para passar por baixo da ponte e 2020 é o primeiro teste. Mas nada é decisivo, como mostrou a eleição de 2016, quando Geraldo Alckmin saiu como o grande vitorioso por ter apostado em João Doria para a Prefeitura de São Paulo, que ganhou em primeiro turno”, diz. “Dois anos depois, Alckmin não era ninguém”, pondera ele, lembrando os ínfimos 5% que o tucano levou na corrida presidencial vencida por Bolsonaro.

O Planalto tampouco assiste aos movimentos de braços cruzados. Bolsonaro, que se engajou num jogo de desgaste com Sergio Moro, já havia partido para as críticas a Doria e até mesmo a Huck, lançando-se à reeleição sem maiores disfarces, numa aceleração explícita do calendário eleitoral. Em 2018, o capitão reformado do Exército se impôs ao sistema partidário tradicional, concorrendo a bordo do minúsculo PSL —a mesma elite partidária que expeliu o ultradireitista, aliás, também não acolheu Huck, preferindo Alckmin. Agora Bolsonaro não só tem a máquina da presidência como seu PSL é de dono de um montante relevante do fundo partidário rumo às municipais. Poderá um Governo voltado a uma minoria radicalizada se perpetuar? Depois de rever muitos de seus dogmas no ano passado, a ciência política brasileira também aguarda para escrever a quente esse novíssimo capítulo.

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terça-feira, 3 de setembro de 2019

Ernesto Araújo dá carona em avião da FAB para esposa passar férias em Paris

O chanceler Ernesto Araújo, em Washington, nos EUA

Camila Mattoso
Ricardo Della Coletta
Brasília

No início do mandato, Bolsonaro distribuiu cartilha de regras que veta prática realizada por chefe do itamaraty

A mulher do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pegou carona em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para passar férias em Paris, na França.

O voo da carona foi agendado pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) para o deslocamento do ministro a um encontro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na capital francesa, de 20 a 25 de maio deste ano.

A esposa do chanceler, Maria Eduarda de Seixas Corrêa, também é diplomata e trabalha como chefe da Divisão de Treinamento e Aperfeiçoamento, um setor administrativo responsável pelo aprimoramento de funcionários no Itamaraty.

Ela, que foi e voltou com a aeronave oficial, ficou em Paris como turista, sem pagar passagem e compartilhando o quarto com o marido. A hospedagem foi custeada pelo governo, uma vez que Ernesto estava em missão oficial.

Os voos da FAB são requisitados por autoridades com o propósito de cumprir agendas de trabalho. Poucos dias antes de assumir o Palácio do Planalto, o então presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), distribuiu uma cartilha com normas e procedimentos éticos que seus subordinados deveriam seguir.

No capítulo reservado aos voos oficiais, a cartilha estabelece que somente o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso podem utilizar as aeronaves.

As justificativas para a solicitação dos voos precisam ser, ainda de acordo com a cartilha, por motivos de segurança e emergência médica ou por viagem a serviço.

O casal se hospedou no Hotel Bedford, localizado no centro histórico de Paris, a menos de três quilômetros da avenida mais famosa da cidade, a Champs-Élysées. Tradicional, o hotel é conhecido por ter abrigado o imperador brasileiro Pedro 2º e o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos.

Segundo o site do estabelecimento, as diárias variam de 160 euros (R$ 734) a 490 euros (R$ 2.250) mais taxas, que mudam de acordo com o número de ocupantes. A assessoria de imprensa do Itamaraty confirma que a mulher do ministro foi para a França de férias, tendo se hospedado com o marido, mas disse que os custos de alimentação foram bancados por ela.

O decreto 4.244/2002, que dispõe sobre os voos da FAB, permite o uso da frota "somente" para o transporte de vice-presidente, ministros do Estado, chefes dos três Poderes e das Forças Armadas, salvo nos casos em que há autorização especial do ministro da Defesa.

A norma não autoriza expressamente o embarque de pessoas sem cargo ou função pública.

Ernesto Araújo viajou a Paris para participar da reunião ministerial dos membros da OCDE e reforçar o pleito brasileiro para ingressar na entidade.

A entrada do Brasil no chamado clube dos países ricos é um dos principais objetivos da gestão do chanceler, que conseguiu o aval do presidente dos EUA, Donald Trump.

No entanto, a efetivação do Brasil como membro do órgão ainda depende de uma discussão interna sobre o ritmo de expansão da entidade e a escolha de novos integrantes.

Além da rodada de reuniões na OCDE, Araújo também compareceu a um encontro em Paris da OMC (Organização Mundial do Comércio) e realizou uma agenda bilateral com chanceler francês, Jean-Yves Le Drian.

Em junho, Maria Eduarda foi a Buenos Aires também em um avião da FAB. O roteiro foi mais curto, e a comitiva, liderada pelo presidente Bolsonaro, dormiu apenas uma noite na capital argentina.

O presidente foi ao país vizinho para retribuir a visita oficial que seu colega Mauricio Macri fez a Brasília em janeiro.

Procurado, o Itamaraty disse que Maria Eduarda fez parte da comitiva oficial a Buenos Aires e participou de eventos ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A chancelaria afirma que a diplomata acompanhou Michelle e a primeira-dama da Argentina, Juliana Awada, em visita à Casa Rosada.

Ela também esteve no almoço oferecido pelo presidente Macri a Bolsonaro e na abertura de um evento da ONU (Organização das Nações Unidas) para pessoas com deficiência, entre outros compromissos.

"Tanto a Buenos Aires quanto a Paris a conselheira Maria Eduarda foi sem ônus para o governo. Ela não recebeu diárias e não houve nenhum custo adicional envolvido", argumenta o Itamaraty.

A Paris, no entanto, o ministério afirma que a diplomata estava em férias funcionais. Durante o período em que seu marido participava de reuniões oficiais e encontros bilaterais, ela não realizou nenhuma atividade relacionada a seu trabalho. "Em Paris a conselheira não participou de nenhum evento oficial", disse a pasta.

Sobre a viagem à França, o Itamaraty afirmou que não houve despesa adicional para o governo, uma vez que Maria Eduarda compartilhou o quarto de hotel com seu marido (que estava em viagem oficial) e pagou as próprias refeições durante a viagem.

Por fim, a chancelaria argumentou que Maria Eduarda não faltou ao trabalho durante os dias que passou em Paris, justamente por estar em férias.

A mulher de Araújo é conselheira, cargo que requer três promoções para ser alcançado na hierarquia do Itamaraty. Acima dela, estão os ministros de segunda classe e os embaixadores, que compõem o topo da carreira da instituição.

Em dezembro de 2017, a Folha mostrou que ministros do governo do ex-presidente Michel Temer usaram voos da FAB, requisitados com o propósito de cumprir agendas de trabalho, para transportar parentes, amigos e representantes do setor privado.

A reportagem encontrou registros de caronas para mulheres e filhos que não têm vínculo com a administração pública.

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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Reprovação de Bolsonaro cresce para 38% em meio a crises, mostra Datafolha

Bolsonaro na Igreja Universal do Reino de Deus, em SP

Igor Gielow
Folha de São Paulo

Percentual que avalia governo como ruim ou péssimo supera o daqueles que o considera ótimo ou bom 

Pesquisa nacional feita pelo Datafolha aponta a erosão da popularidade de Jair Bolsonaro (PSL) em pouco menos de dois meses.

A reprovação do presidente subiu de 33% para 38% em relação ao levantamento anterior do instituto, feito no início de julho, e diversos indicadores apontam uma deterioração de sua imagem. Foram ouvidas 2.878 pessoas com mais de 16 anos em 175 municípios.

A aprovação de Bolsonaro também caiu, dentro do limite da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou menos, de 33% em julho para 29% agora.

A avaliação do governo como regular ficou estável, passando de 31% para 30%.

Na pesquisa de julho e na anterior, de abril, estava consolidado um cenário em que o país se dividia em três partes iguais: quem achava Bolsonaro ótimo ou bom, ruim ou péssimo e regular.

De dois meses para cá, o presidente viu aprovada na Câmara a reforma da Previdência, sua principal bandeira de governo. Ato contínuo, iniciou uma escalada de radicalização, acenando a seu eleitorado mais ideológico com uma sucessão de polêmicas.

Neste período, Bolsonaro sugeriu que o pai do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) havia sido morto por colegas de luta armada na ditadura, indicou o filho Eduardo para a embaixada brasileira em Washington e criticou governadores do Nordeste —a quem também chamou de "paraíbas".

O último item coincide com a região em que mais disparou a rejeição a Bolsonaro. O Nordeste sempre foi uma fortaleza do voto antibolsonarista, mas seu índice de ruim e péssimo subiu de 41% para 52% na região de julho para cá.

O período viu o presidente bater de frente com o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) acerca de mudanças na Polícia Federal e extinguir o Coaf (órgão de investigação financeira em atuação desde 1998), recriado de forma ainda incerta sob o Banco Central —medidas lidas como tentativas de coibir investigações sobre seu filho Flávio, senador pelo PSL-RJ.

Também nesses dois meses explodiu a maior crise internacional do governo até aqui, sobre o desmatamento e as queimadas da Amazônia. Como a Folha mostrou no domingo (1º), há grande rejeição à condução de Bolsonaro no quesito (51% a consideram ruim ou péssima).

Aqui, a crise teve demissão do diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por falta de concordância do presidente com os números de desmate aferidos pelo órgão e bate-boca internacional com o presidente francês Emmanuel Macron.

A perda de apoio de Bolsonaro também foi acentuada entre aqueles mais ricos, com renda mensal acima de 10 salários mínimos. Neste segmento, a aprovação ao presidente caiu de 52% em julho para 37% agora —bastante significativa, ainda que se mantenha acima da média.

A pior avaliação do mandatário é entre os mais pobres, que ganham até dois salários mínimos (22%), os mais jovens (16 a 24 anos, 24%) e com escolaridade baixa (só ensino fundamental, 26%).

Voltando ao corte regional, a disparada de rejeição no Nordeste é acompanhada também em áreas tradicionalmente bolsonaristas. A região Sul, por exemplo, teve um aumento de 25% para 31% entre os que avaliam o governo como ruim ou péssimo.

As mulheres seguem rejeitando mais o mandatário do que os homens: 43% delas o acham ruim ou péssimo, ante 34% dos homens.

Com tudo isso, Bolsonaro segue sendo o presidente eleito mais mal avaliado em um primeiro mandato, considerando FHC, Lula e Dilma.

Há outros indicativos dos motivos do azedume da população com o presidente, cujo governo ganhou nota 5,1 dos entrevistados.

Nada menos que 44% dos brasileiros não confia na palavra do presidente, enquanto 36% confiam eventualmente e 19%, sempre.

O estilo presidencial, que o entorno de Bolsonaro tenta vender como autêntico e direto, não está lhe rendendo também boa avaliação.

É preponderante a percepção de que o presidente nunca se comporta conforme o cargo exige. Subiu de 25% para 32% o contingente que pensa assim —em abril, eram 23%. Já os que acham que Bolsonaro cumpre a liturgia do cargo caíram de 22% para 15%, ante 27% em abril.

Ao mesmo tempo, cai a expectativa sobre o governo. Acreditavam em abril que Bolsonaro faria uma gestão ótima ou boa à frente 59%. Em julho, eram 51% e agora, 45%. Na mão contrária, creem numa administração ruim ou péssima 32% —eram 24% em julho e 23%, em abril.

Protesto em SP contra o governo Bolsonaro e o desmatamento na Amazônia

Já a opinião sobre o que o presidente já fez pelo Brasil segue estável, negativamente: 62% creem que ele fez menos do que o esperado, 21% acham que ele correspondeu às expectativas e 11%, que fez mais do que o previsto.

Previsivelmente, quem votou em Bolsonaro no segundo turno de 2018 é quem mais está satisfeito com o governo: 57% o acham ótimo ou bom. Na via inversa, quem apoiou Fernando Haddad (PT) o reprova mais: 69%.

O corte partidário traz uma curiosidade: no momento em que o governador João Doria (PSDB-SP) vem assumindo um papel antagonista ao antes aliado Bolsonaro, os entrevistados que se dizem tucanos aumentaram sua aprovação ao governo. Eram 35% em julho, são 42% agora.

O aumento veio da desidratação de quem o acha regular (48% para 31%), com consequente aumento também na rejeição, de 17% para 27%.

O Datafolha também apresentou alguns assuntos para avaliar em quais áreas o governo vai melhor e pior. Para 17%, a relação com presidentes estrangeiros e com a população brasileira é o destaque. Já 15% acham que é o relacionamento com os ministros, 12%, com a imprensa e 10%, com o Congresso. Nove por cento acham que ele vai melhor nas declarações sobre o governo.

Já na avaliação negativa, 33% apontam a relação com a população, 22%, com a imprensa e 13%, com presidentes de outros países. Depois vêm as declarações sobre o governo (9%), diálogo com Congresso (6%) e ministros (4%).

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domingo, 1 de setembro de 2019

Igreja Católica em Rota de colisão com governo Bolsonaro


Documentos do Vaticano mostram Igreja disposta a bater de frente com diretrizes do governo Bolsonaro

Jamil Chade Colaboração para o UOL, em Genebra (Suíça)

À beira do caos

UOL acessa documento entregue a religiosos que estarão no Sínodo da Amazônia, encontro do Vaticano em outubro

Na Amazônia, reinam "a violência, o caos e a corrupção". A constatação faz parte dos documentos de trabalho preparados por bispos e dioceses como base das discussões para o Sínodo da Amazônia, marcado para outubro em Roma. Nos últimos meses, o governo de Jair Bolsonaro demonstrou profunda irritação em relação ao evento, transformando a reunião entre religiosos em seu mais novo palco de um confronto diplomático internacional.

O conteúdo das propostas, de fato, pode significar uma pressão maior ao governo e uma maior capacidade de mobilização das populações que, hoje, são vítimas de abusos de direitos humanos e esquecidas pelo Estado.

Nos documentos oficiais que circulam entre os religiosos para alimentar o debate, fica claro que a Santa Sé coloca em xeque a atual realidade da exploração econômica da floresta, apresentando-a como uma ameaça para o planeta. Mas é, acima de tudo, o novo papel que a Igreja quer ter na região que causa apreensão nos círculos do poder.

Os documentos de trabalho do sínodo não representam o resultado final da reunião. O texto é, acima de tudo, formado por consultas e sugestões enviadas por dioceses espalhadas pela Amazônia. Após os debates em Roma, o papa Francisco poderá responder aos temas propostos com uma carta apostólica, determinando, então, uma linha de atuação da Igreja.

Bispos que conversaram com a reportagem do UOL sob condição de anonimato dizem que a agenda proposta não deve ser vista como uma afronta à soberania do governo na região e lamentam a forma pela qual a administração Bolsonaro optou por tratar o sínodo como um "ato de resistência" e como se fosse uma "conferência da oposição".

Os bispos também recusam a acusação de que sejam "de esquerda", forma pela qual membros do governos os têm classificado.

Nas últimas semanas, diversas foram as reuniões entre membros do Itamaraty a e a diplomacia do Vaticano para tratar do assunto. A chancelaria chegou a deixar claro que via com desconforto alguns dos temas da agenda, assim como a forma pela qual foram apresentados.

Durante os meses de consultas por toda a Amazônia para preparar os documentos de trabalho e a agenda do sínodo, a Santa Sé concluiu que "as comunidades consultadas esperam que a Igreja se comprometa no cuidado da Casa Comum e de seus habitantes, que defenda os territórios e que ajude os povos indígenas a denunciar o que provoca morte e ameaça os territórios".

A partir das consultas, portanto, uma lista de sugestões foi elaborada para que, em Roma, os religiosos as considerem. Entre as propostas está a de que padres e bispos espalhados pela região abracem as causas sociais, de reforma agrária e ambientais, se distanciando do poder político.

Recomenda-se que a Igreja "assuma sem medo a aplicação da opção preferencial pelos pobres na luta dos povos indígenas, das comunidades tradicionais, dos migrantes e dos jovens, para configurar a fisionomia da Igreja amazônica".

E a orientação vai além: "rejeitar a aliança com a cultura dominante e o poder político e econômico, para promover as culturas e os direitos dos indígenas, dos pobres e do território".

O Vaticano não fala de questionar a soberania dos governos e nem insinua a necessidade de dar um "status internacional" para a floresta, um ponto sensível para o Brasil. Mas a Igreja insiste que o atual modelo de exploração não pode ser aceito, nem em termos ambientais e nem no que se refere aos direitos humanos.

Bolsonaro diz que reservas indígenas têm intenção de inviabilizar o país

Em um documento denominado de Instrumentum Laboris, por exemplo, o Vaticano deixa claro: "a vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica". "A ameaça à vida deriva de interesses econômicos e políticos dos setores dominantes", diz o texto, que aponta ainda para o papel das empresas extrativistas.

Nas consultas realizadas pelo Vaticano em todos os países da região Amazônica, um elemento que surgiu com força foi a conivência do poder com aqueles que ameaçam a floresta. Uma lista dos principais problemas foi elaborada e eles incluem a criminalização e assassinatos de líderes e defensores do território, além de concessões a madeireiras, monocultura e mesmo narcotráfico.

De acordo com o documento, os "clamores amazônicos refletem três grandes causas de dor":

1-A falta de reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios dos indígenas, que fazem parte integral de suas vidas;
   
2-A invasão dos grandes projetos chamados de "desenvolvimento", mas que na realidade destroem territórios e povos (por ex.: hidroelétricas, mineração - legal e ilegal - associada aos garimpeiros ilegais [mineiros informais que extraem ouro], hidrovias - que ameaçam os principais afluentes do Rio Amazonas - exploração de hidrocarbonetos, atividades pecuárias, desmatamento, monocultura, agroindústria e grilagem [apropriação de terras valendo-se de documentação falsa] de terra).
   
3-A contaminação de seus rios, de seu ar, de seus solos, de suas florestas e a deterioração de sua qualidade de vida, culturas e espiritualidades.

Dentro do governo brasileiro, a referência ao direito à demarcação de território e uma citação à autodeterminação são consideradas como "problemáticas". Há poucas semanas, por exemplo, o próprio presidente indicou que, se dependesse dele, não haveria mais terra demarcada no país.

O Vaticano também denuncia a "penalização dos protestos contra a destruição do território e de suas comunidades, já que determinadas leis da região as qualificam como "ilegais".

"Outro abuso é a recusa generalizada por parte dos Estados de respeitar o direito de consulta e consentimento prévios aos grupos indígenas e locais, antes de definir concessões e contratos de exploração territorial, não obstante este direito seja reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho", destaca.
22.ago.2019 - Ueslei Marcelino/Reuters 22.ago.2019 - Ueslei Marcelino/Reuters


Rumo a um ponto sem retorno

Na avaliação da Santa Sé, o aumento de intervenção humana, incluindo incêndios, e mudanças climáticas "estão levando a Amazônia rumo a um ponto de não retorno".

"O abate maciço de árvores, o extermínio da floresta tropical causado por incêndios florestais intencionais, a expansão da fronteira agrícola e as monoculturas são causas dos atuais desequilíbrios regionais do clima, com efeitos evidentes sobre o clima global, a nível planetário, tais como as grandes secas e as inundações cada vez mais frequentes", alerta a Igreja.

O sínodo, ainda que seja um momento para que a Igreja defina seu papel na região, não hesitará em fazer denúncias graves.

Num documento da diocese de San José del Guaviare e da Arquidiocese de Villavicencio e Granada (Colômbia), fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, os indígenas locais apelam: "a terra tem sangue e está sangrando, as multinacionais cortaram as veias de nossa Mãe Terra", disseram.

Num outro trecho, uma diocese colhe a seguinte descrição da situação: "somos uma região de territórios roubados".

Para a Igreja, portanto, a Amazônia "constitui uma formosura ferida e deformada, um lugar de dor e violência, como o indicam de maneira eloquente os relatórios das Igrejas locais".

A realidade da Amazônia é ainda descrita como uma que vive "à margem da lei e do direito em muitas de suas regiões".

"O grito de dor da Amazônia é um eco do clamor do povo escravizado no Egito", comparam os religiosos, numa referência a uma passagem bíblica.

Odair Leal/Folhapress Odair Leal/Folhapress

"Será necessário indignar- se"

Para o Vaticano, o caminho deve ser o de diálogo e comunicação. "As principais questões da humanidade que sobressaem na Amazônia não encontrarão soluções através da violência nem da imposição, mas sim mediante o diálogo e a comunicação", aponta.

Mas a Igreja já alerta que existirão grupos poderosos que resistirão a essa estratégia. A resposta? Indignar-se.

A recomendação do documento é explícita: afastar-se do poder para estar ao lado daqueles que sofrem.

"Ser Igreja na Amazônia de maneira realista significa levantar profeticamente o problema do poder, porque nesta região o povo não tem possibilidade de fazer valer seus direitos face às grandes corporações econômicas e instituições políticas", indica o documento.

"Atualmente, questionar o poder na defesa do território e dos direitos humanos significa arriscar a vida, abrindo um caminho de cruz e martírio. O número de mártires na Amazônia é alarmante (por ex., somente no Brasil, de 2003 a 2017, foram assassinados 1.119 indígenas por terem defendido seus territórios)", destaca.

O Vaticano defende "aliar-se aos movimentos sociais de base, para anunciar profeticamente uma agenda de justiça rural que promova uma profunda reforma agrária, incentivando a agricultura orgânica e agroflorestal".

"A Igreja não pode permanecer indiferente mas, pelo contrário, deve contribuir para a proteção dos defensores de direitos humanos, e fazer memória de seus mártires, entre elas mulheres líderes como a Irmã Dorothy Stang."